O Segredo da Oncinha
(Ana Maria Machado)
Estava uma animação na floresta.
Todos os bichos se preparavam para o Carnaval.
As sombras de algumas árvores, como a mangueira e o salgueiro, estavam tão cheias de que não cabia mais ninguém.
Nas escolas de samba, as baterias ensaiavam.
Os cantores cantavam.
Os sambistas sambavam.
Dona Aranha e suas costureiras bordavam as fantasias - um montão, mais de trinta.
Juntando todas as amigas de Dona Borboleta, tinha tudo quanto é cor de pó de asa para fazer tinta: azul, vermelha, amarela e preta.
A mata toda se enfeitava.
Os vaga-lumes cuidavam da iluminação.
Os macacos, no alto das árvores, montavam a decoração.
Esquilos pintavam cipós mas também pintavam o sete.
Flores guardavam as pétalas para jogar confete.
Em toda casa, toca ou ninho, a trabalheira era geral. Cada bicho se arrumava para desfilar no Carnaval.
Uma alegria enorme se espalhava pela floresta. Todo mundo se aprontava, ia mesmo ser uma festa.
Todo bicho? Bem, quase todos...
Tinha um cantinho bem triste numa caverna pequena.
A toda da Dona Onça, triste até de dar pena.
E a mais tristonha de todas era a filhota Afonsinha.
Jaguatirica pintada, uma beleza de oncinha.
Mais uma vez ela insistia:
-Pai, deixa eu ir à festa de Carnaval?
Mais uma vez ela ouvia:
-Já disse que não, menina. Estou sem grana, estou mal...
A mãe Onça ainda tentava:
- Só porque esta sem dinheiro? Ela vai se fantasia. É tão bonitinha assim...
- E o vexame? E a zombaria? Os outros vão rir de mim... - Seu Afonso se queixava, e se trancava no banheiro.
Afonsinha suspirava, com vontade de alegria.
O pai era vaidoso, ela saía perdendo.
Ficava sem fantasia e sem pular o carnaval.
Ao se espalhar a notícia, amigos vieram correndo. Com sugestões e ideias, numa animação geral.
Contou logo o periquito: - Vou me fantasiar de arara, colorida e emplumada. Por que não resolve sair de onça-pintada?
-Mas que ideia, Quiquito...Onça-pintada eu já sou. Papai acha isso esquisito, e diz que assim eu não vou.
O Caetano Raposo ia saia e cabeleira. Veio propor uma dupla para entrar na brincadeira: - Que tal se vestir de leonça?
- Se me explicar como é, posso até ir na boa.
- Leonça, o nome já diz, mistura de leoa e onça. Apanhe a peruca, quando estiver feliz, distraída, bem à toa.
Afonsinha prendeu o riso. Mas não perdeu o juízo:
-Leoa é bicho careca, quem tem peruca é o leão. E eles nem moram aqui, mas, mesmo que morassem, eu não ia pegar, não.
Todos queriam ajudar. Bem amigos da oncinha.
Mas nenhuma ideia deu certo, nada serviu para Afonsinha.
Os amigos de despediram, foram saindo de perto, se espalhando na floresta. Iam todos se arrumar, já era hora da festa.
Só para ela não havia alegria na floresta.
E ainda mais o barulho, toda aquela animação...
Cantoria e batucada surgiam na escuridão. Alegria e palhaçada, e ela fora de fora? Essa não!
Foi por isso que Afonsinha resolveu sair dali. Ir para bem longe pela estrada, onde não pudesse ouvir aquela música animada que não a deixava dormir.
E sai andando, andando, por onde não havia nada. Até que ao longe avistou uma casa iluminada. Depois outra, e logo outra, e mais outra - uma porção.
Ia chegando à cidade. Lá dentro, uma multidão.
Multidão bem animada, muito mais do que na floresta. Gente bem fantasiada, gente até sem fantasia. Tantas luzes, tantas cores, tantos barulhos de festa. Tanta voz em cantoria, tanta beleza de gente. E tanta coisa bonita, música principalmente. Cada um como queria, ninguém reparava em ninguém. No batuque da alegria, Afonsinha também entrou. Quando viu tanta beleza, ela até se sentiu bem. Esqueceu toda a tristeza quando alguém lhe disse:
-Vem!
Foi cantando, distraída, se sacudindo animada, sambando pela avenida, seguindo a batucada: - É o bafo da onça, que eu trago guardado no meu coração. É o bão, é o bão, é o bão...
Só então ela reparou numa coisa coisa bem engraçada. Estava no meio de um bloco de gente fantasiada. Cada qual com a sua roupa fingindo de onça-pintada. Tinha onça, onção e oncinha. Mas ninguém como Afonsinha.
Não sou só eu dizendo. Não fui só eu que estava achando.
Foi por isso que se ouviu a tevê anunciando:
- E agora, meus senhores, o prêmio de fantasia! Melhor modelo, melhores cores, e maior alegria!
Veio um foco de luz nela, câmera de televisão. Uma oncinha tão bela causou a maior sensação! Logo lhe deram a medalha, entregaram a ela a taça. Notícia boa se espalha, juntou gente lá na praça. Todo mundo a olhar para ela, estava mesmo uma graça.
Veio jornal e revista, filmaram para a tevê. Queriam foto e entrevista, todos queriam saber.
-Mas que roupa perfeita!
-Tão de acordo com o enredo!
-Quem fez? Dá o molde, a receita...
Mas nossa amiga Afonsinha fez boquinha-de-siri:
- Não vou dizer... É segredo.
E o segredo da oncinha, você sabe, não é brinquedo - não vá contar por aí!