CAMINHANDO
COM
Cristiane
Takemoto.
As Origens dos Contos de Fadas.
Olá! Que bom que você está
aí! Então vamos retomar a nossa conversa!
Em nosso encontro anterior,
falamos que os Contos de Fadas são uma antiga manifestação cultural de origem
popular, que eles abordam os conflitos primordiais em uma linguagem simbólica e
fornecem modelos de comportamento. Os acontecimentos narrados seguem uma
sequência de que vai da insatisfação ao júbilo, passando por muitas
dificuldades, lutas e sofrimentos e embora tenham esse nome, não é
imprescindível que haja fada ou bruxa entre seus personagens. Comentamos também
que, além das narrativas tradicionais, alguns autores vêm escrevendo histórias
que seguem os argumentos e a estrutura dos Contos de Fadas.
Passaremos então a falar
sobre a época em que apareceu a denominação ‘Contos de Fadas’ e em que
circunstâncias essa denominação passou a ser usada.
Embora alguns autores
acreditem que estas narrativas têm origens indo-europeias que se perdem na
história da humanidade, muitos estudiosos atribuem seu surgimento no
ocidente ao cenário medieval. Assim, passaremos
a trabalhar com um recorte teórico-didático, circunscrevendo o gênero Contos de
Fadas em uma linha do tempo, sem esquecer que possivelmente ele já existia
antes e que perdura até os dias atuais. Então vamos lá!
Antes da expansão do Império
Romano, viviam na Europa povos culturalmente distintos como, por exemplo, os
celtas, que cultuavam a natureza simbolizada pela figura de uma mulher, a Deusa.
Eles tinham sua própria mitologia e gostavam de contar histórias de fadas,
bruxas e outros seres mágicos que eles acreditavam que viviam nas florestas.
Para sustento de suas comunidades, cultivavam a terra e criavam rebanhos.
O povo celta descendia de
diferentes tribos. Eram batavos, belgas, bretões, caledônios e gauleses entre
outros povos e se espalhavam pelo continente europeu constituindo uma espécie
de estado-nação. Havia disputas entre os diferentes grupos, mas nada que
pudesse se comparar a envergadura bélica do Império Romano. Provavelmente por
isso, foram praticamente extintos. Seu gosto pelas histórias mágicas,
entretanto sobreviveu e tornou-se uma tradição popular típica da Europa
Medieval.
Os mapas abaixo mostram a
divisão de terras na Europa antes e durante a ocupação romana. No primeiro,
vemos em amarelo a localização das tribos célticas originais, em verde claro, o
território em que viveram no auge de sua expansão e em verde escuro as áreas
remanescentes desta cultura, onde até hoje línguas célticas são faladas. O
outro mapa, mostra em rosa a área conquistada pelo Império Romano em uma
sucessão de batalhas sangrentas.
Depois de ocupar um enorme território,
o Império Romano perdeu sua força e ruiu. Com sua queda, teve início a Idade
Média, período compreendido entre a decadência do Império Romano, no ano de 476
d.C., e o início da descoberta do Novo Mundo, em 1492. Os historiadores dividem
essa época em uma fase inicial chamada de Alta Idade Média e uma segunda fase
chamada de Baixa Idade Média.
No tempo conhecido como Alta
Idade Média, aconteceram muitas guerras e invasões, por isso, a sociedade
passou a se organizar em pequenos agrupamentos populacionais chamados feudos.
Nesse espaço murado, os vassalos trabalhavam na terra e cuidavam dos animais
enquanto recebiam a proteção do senhor feudal. Como gratidão por um serviço
prestado, o Rei ocasionalmente concedia títulos de nobreza, fazendo do vassalo
leal um marques, conde ou duque.
Maquete
de um feudo medieval e cena da vida cotidiana dentro dessas cidadelas.
Fonte:
Livro Aberto http://www2.bp.blogspot.com
Dentro
das muralhas do feudo, havia muitos contrastes que se converteram em traços
constitutivos dos contos de fadas. Os nobres casavam entre si e tinham acesso
aos luxos da época, como roupas, sapatos e mesa farta. Os aldeões dedicavam-se
ao trabalho em troca de comida e proteção. E os que ficavam fora dos muros
estavam entregues à própria sorte. Era o tempo das belas princesas e dos
príncipes encantados.
A Baixa Idade Média iniciou por volta do ano
1000 e os historiadores afirmam que nela a população europeia cresceu e o
comércio se intensificou beneficiado pelos avanços da agricultura e pela
produção artesanal de utensílios como objetos de metal e rodas de fiar entre
outros. Os artesãos produziam e os mercadores comercializavam os artefatos
tanto em feiras quanto em mercados ou como itinerantes, de porta em porta.
Com o passar do tempo, a
estrutura feudal foi se deteriorando e o continente europeu passou por longos
períodos de miséria e privação. Nessa época, a Europa foi assolada pela Peste
Bubônica, uma terrível doença infecciosa transmitida pelos ratos, que matou
aproximadamente um terço da população. Histórias
como a de João e Maria remontam este cenário.
A
sociedade medieval foi fortemente influenciada pela igreja. Também
conhecida como Idade das Trevas, nessa época houve um declínio das
manifestações culturais em geral, sobretudo das artes, incluindo-se aí a
pintura, escultura e das produções textuais. As pessoas que viviam nos
vilarejos medievais não tinham acesso à escrita, pois só nobres e integrantes
da igreja aprendiam ler e escrever. Foi nesta época que os monges copistas
transcreveram os textos sagrados que deram origem a livros como a Bíblia.
Tais condições fizeram com
que a oralidade passasse a ser o principal meio de transmissão de
conhecimentos. Através dela, a natureza sociável do ser humano superou as
dificuldades de tempo e espaço e perpetuou as histórias de sofrimento, lutas e
conquistas. A obscuridade do período medieval foi extremamente fértil nesse
sentido, transformando a contação de histórias em uma alternativa para manter
viva a cultura e a historicidade das camadas populares. É provavelmente por
esse motivo que os Contos de Fadas foram associados a esta época.
Foi assim que fatos e
acontecimentos corriqueiros se misturaram com os desejos e temores próprios da
alma humana, criando uma teia encantadora onde os fios da realidade e da
fantasia se entrelaçam formando a mescla encantadora das belas narrativas que
tanto gostamos de ouvir e contar. Reis poderosos, lindas princesas e príncipes
encantados se misturam com bruxas malvadas, criaturas mágicas e feras
indomáveis. Uma criança abandonada, uma família carente até anomalias
anatômicas passaram a fazer parte do enredo para o eterno duelo entre o bem e o
mal.
Repetidos
de geração em geração, os Contos de Fadas têm divertido crianças e adultos e
para saber mais sobre o assunto, os interessados devem procurar ler entre
outros, o autor Bruno
Bettelheim. Embora haja certa polêmica sobre outros temas publicados por esse
professor e pesquisador do Curso de Psicologia da Progressive Education Association da University of Chicago (EUA),
seu livro A Psicanálise dos Contos de
Fadas (2007) é uma referência muito respeitada.
Segundo
Bettelheim, o que diferencia os Contos de Fadas de outros tipos de histórias é
que estes remetem a problemas existenciais, os conflitos primordiais, e aos
aspectos constitutivos do sujeito. Ou seja, os Contos de Fadas falam questões
humanos como dilemas, medos, angústias, disputas e paixões.
Para
ele, o grande diferencial dessas
narrativas é a possibilidade de movimento catártico através da identidade com
os personagens, estimulando a superação das dificuldades. Ele afirma também que seus significados atuam em
diferentes áreas do sujeito, auxiliando a
liberação de emoções reprimidas, o desenvolvimento da linguagem e a interação
social.
O
que deixa essas narrativas mais interessantes é que elas funcionavam assim na
Idade Média e continua desempenhando estas mesmas funções na atualidade. Muitos
estudos concordam que seria essa a razão que mantém vivos os contos,
independente do tempo e do lugar em que se vive. Glória Radino e Nelly Novaes
Coelho são outras boas leituras. Elas falam dos contos de maneira acessível e
interessante e agregam muitos conhecimentos a esta temática.
Enfim,
em tempos nebulosos, disputas pelo poder, miséria, rivalidades, ambições e até
condições clínicas pouco conhecidas se tornaram argumento de histórias
encantadoras, fazendo-as viajar através dos tempos, mostrando ao leitor/ouvinte
de qualquer idade que a vida impõe algumas dificuldades, mas aqueles que as
enfrentarem com coragem e altruísmo triunfaram no final.
E assim,
entre o “Era uma
vez...” e o “Felizes
para sempre”, os Contos de Fadas mostram que em algum
lugar, alguém já sofreu e lutou, conquistou aliados e enfrentou adversários até
conseguir realizar seus desejos mais íntimos e sentir-se feliz. Feliz para
sempre sim, por que se a felicidade é feita de pequenos momentos, a lembrança
dos momentos felizes estará sempre no coração de quem os viveu!
Dias felizes para você e...
Até a próxima!
Cristiane
Takemoto
Fonoaudióloga, Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional, com formação em
Psicanálise Clínica e Mestrado em Linguística.
REFERÊNCIAS:
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.
COELHO, Nelly N. Literatura infantil – Teoria, análise,
didática. São Paulo: Ed. Ática: 1997.
RADINO, Glória. Contos de fadas e realidade psíquica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
Maravilhoso texto!
ResponderExcluirAdorei "passear" neste tempo através de sua escrita.
Parabéns, Cristiane!
Beijos!
Obrigada querida!
ResponderExcluirMuito bom saber que estamos caminhando junto!
Bjs