quarta-feira, junho 20

O que são (ou não) Contos de Fadas

CAMINHANDO COM Cristiane Takemoto.

O que são (ou não) Contos de Fadas.


Contos de fadas sempre me encantaram. Como eu não tinha irmãs, os disquinhos coloridos que acompanhavam grandes livros enchiam de sons as minhas fantasias. Desde aquela época, quando penso nessas histórias muitas sensações e sentimentos se misturam e hoje, posso entender que sempre foi assim.

Pesquisas mostram que desde tempos muito remotos o homem narrou. Ora através de desenhos nas paredes das cavernas onde habitava, ora com seu grupo, em torno de uma fogueira. Provavelmente essas narrativas originais eram uma mistura de sons guturais, gestos e rabiscos.

Com o passar do tempo, o homem deixou de vagar e se fixou. Passou a cultivar a agricultura, a enterrar os mortos e a cultuar as forças da natureza. Os pequenos grupos cresceram e a transmissão oral dos conhecimentos e experiências tornou-se, além de uma estratégia de preservação da vida, uma atividade relacionada à cultura e ao lazer.

A palavra  "fada" tem origem portuguesa e vem do latim fatum, que se refere a destino, fatalidade e surgiu na literatura medieval nas novelas de cavalaria do Ciclo Arturiano, onde textos de influência céltica falavam sobre os personagens da época. Nesse tempo, as narrativas eram orais e parafraseavam a vida, voltadas para o público adulto. 

Em uma época em que não havia cinema nem televisão, o francês Charles Perrault se tornou um notório contador dessas histórias para os nobres convidados para as festas do Palácio de Versalhes. Seu livro Contos da Mãe Gansa (1697) contava  histórias populares com uma linguagem mais refinada e teve uma repercussão equivalente a dos best-sellers da atualidade. Sua história mais famosa é Chapeuzinho Vermelho, um Conto de Fadas sem fadas.



Cento e quinze anos depois, os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm publicam Contos da Criança e do Lar (1812), o primeiro livro totalmente direcionado ao público infantil. Nesta nova perspectiva, os contos populares tornaram-se menos divergentes dos valores pregados pelo cristianismo e passaram a ser vistos como literatura infantil.

Também conhecidos como contos de fadas, as histórias de Hans Christian Andersen diferem um pouco, pois são produto de sua própria imaginação e não originárias da tradição popular. Para esse autor, os verdadeiros contos de fadas serviram de inspiração para a transformação das dificuldades em lindas histórias que falam de pobreza, discriminação e do desejo de realização pessoal.

Outro autor de literatura infantil entusiasta dos contos de fadas foi Carlo Collodi, um jornalista italiano que fez sucesso contando a história de um boneco de madeira chamado Pinóquio, que ganhou vida e passou por muitas estripulias. Inicialmente, As Aventuras de Pinóquio (1883), eram publicados em episódios semanais, só depois foram editadas como literatura infantil. Embora tenha entre seus personagens a figura da Fada Azul, do ponto de vista literário, este livro não se enquadra no gênero Contos de Fadas.

Matemático inglês e crítico do estilo de vida aristocrático vitoriano, Lewis Carrol usou a fantasia e o non-sense para escrever Alice no País das Maravilhas (1865), e atacar as certezas, as normas e os limites impostos pela sociedade inglesa de sua época. Com gravuras que remontam ao cenário medieval e personagens fantásticos, a versão original da história, em inglês, traz piadas e jogos linguísticos que só fazem sentido naquela língua.

Ainda nesta linha, Lyman Frank Baum fez uma espécie de releitura dos contos de fadas a partir da perspectiva americana e escreveu O Mágico de Oz (1900), onde valorizou a inteligência, a generosidade, a coragem e a perseverança. Simpatizante do Partido Populista, o livro de Baum é cheio de simbolismos como vendavais e uma estrada de ouro, além de valorizar a coragem, o conhecimento e a bondade.

Finalmente, o escocês James Barrie iniciou sua vida como dramaturgo em Londres e  mergulhou na própria imaginação para defender os direitos das crianças à fantasia e contra a abreviação da infância. Peter Pan (1911) nasceu como peça teatral  em 1904 e só depois virou livro. Os personagens principais remetem aos dissabores da vida amorosa do autor.

Enfim, contos de fadas originais ou histórias criadas a partir de sua inspiração, o fato é que essas histórias vêm encantando crianças e adultos ao longo dos séculos. Ler, ouvir e recontar essas narrativas é uma atividade extremamente prazerosa para crianças de todas as idades.

Dos tempos medievais aos dias atuais muita coisa mudou, mas os contos mantém sua importância como construção simbólica que simultaneamente preserva a essência dos conflitos primordiais e se renova com diferentes linguagens. Hoje, as histórias são contadas em belas edições impressas, em enormes telas de cinema ou em formato tablet. Há também versões de plástico para “ler” durante o banho, gibis e shows com efeitos especiais.

Uma prova irrefutável da preciosidade dessas histórias e do quanto são estimadas é o sucesso dos filmes e parques da Disney. Walter Elias Disney foi sem dúvida o representante da fantasia e da imaginação na modernidade. Suas produções, ainda que com algumas alterações, trouxeram vigor e brilho para as antigas histórias da tradição oral.

Atualmente, muitas pessoas ignoram a origem dos contos e até mesmo suas versões anteriores ou que algumas histórias parecem, mas não são contos de fadas originais. Em todo caso, as tantas modificações pelas quais passaram as histórias são apenas adequações ao tempo e espaço. E se por um lado essas atualizações às afastam de suas raízes, por outro, as aproxima dos leitores/ouvintes de hoje.

Enfim, podem mudar as maneiras de escrever e/ou contar as histórias, mas se elas tiverem personagens com os quais há identificação e se falarem de aspectos primordiais da natureza humana, dos dramas, conflitos e desejos comuns a quase todas as pessoas, certamente serão um sucesso.

E é por isso que continuamos contando e recontando os contos de fadas. Eles contribuem para o nosso autoconhecimento, para que possamos compreender melhor nossos anseios, conflitos e limitações, nos oferecem oportunidade de interação, exercitam nossa memória, estimulam a capacidade de planejamento e confirmam nossa habilidade natural para a transmissão de conhecimentos através de diferentes linguagens.

Essa é a magia dos contos de fadas!

Para saber mais, consulte:

ANDERSEN, Hans Christian.  Os mais belos contos de Andersen.  São Paulo: Editora Moderna, 2008.
COELHO, Nelly N. O conto de fadas.  São Paulo: Editora Ática: 1987.
CONTOS DE FADAS DISNEY:   http://www.disney.com.br/princesas
GRIMM, Jacob e Wilhelm.   Contos de Grimm vol. 1 e 2   PA: L&PM, 2001.
PERRAULT, Charles.   Contos de Perrault.   São Paulo: Martins Fontes, 1997.


Até a próxima semana!



Cristiane Takemoto
Fonoaudióloga, Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional, com formação em Psicanálise Clínica e Mestrado em Linguística. 

4 comentários:

  1. E vamos continuar contando e acompanhando aqui...beijos,chica

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    1. Oi, Chica!

      E também esperando as próximas publicações da Cristiane. Ela é fera!

      beijos, Elaine

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  2. Bom demais passear nesta seara da magia.
    Pinóquio bem que poderia ser um conto, né?
    Beijos e parabéns pela escrita, Cris!

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  3. Mas então, não é na origem mas tornou-se por obra do senso comum!

    Obrigada pelo carinho!

    Bjs

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Abraços!
Elaine Cunha