A História da Infância e dos Contos
Segunda Parte
Com
os contos, já viajamos por tempos primitivos, entre civilizações do oriente
médio e pelas cidadelas medievais, observando a relação entre a infância e as
narrativas de tradição oral. Seguindo o curso da história, passaremos ao espaço
de tempo entre os anos de 500 a 1a.C., época em que a civilização greco-romana existiu.
Inicialmente,
a criança grega era educada por seus familiares no ambiente doméstico. Depois
disso, pedagogos eram nomeados para conduzir sua educação, orientando-a de
acordo com a classe social. Em geral, elas aprendiam determinados hábitos e
ofícios, a iniciação musical era estimulada e a oratória era imprescindível
para a classe dominante visto que já naquela época, o discurso era usado com o
objetivo de manipulação das camadas populares.
Na
Grécia Antiga, a educação mudava de acordo com o sexo da criança: as meninas
aprendiam a fazer trabalhos domésticos, participavam de alguns rituais e
permaneciam na casa dos pais até o casamento, quando passavam a viver tal qual
as “Mulheres de Atenas”, da música de Chico Buarque.
Na
sociedade que criou as olimpíadas, os esportes eram ensinados aos meninos tanto
com finalidades estéticas e quanto como preparação para guerras. Aos três anos
eles bebiam vinho para celebrar o final da infância e aos sete iniciava o
treinamento nas casernas. Os meninos de linhagens nobres eram enviados aos
grandes pensadores e filósofos para aprender matemática, oratória, lógica,
artes e, principalmente a conhecer a si mesmo e desenvolver habilidades para
liderar o povo.
No
que se refere às narrativas, a Grécia Antiga é notória por dois estilos
distintos: a Mitologia Grega e as Fábulas. A Mitologia Grega tenta entender e
explicar a criação do mundo e de tudo que nele existe. Politeísta, ela atribui
a cada um de seus deuses a responsabilidade por um aspecto da vida. Com suas
formas e sentimentos humanos, os deuses gregos governavam o mundo do alto do
Monte Olimpo. De lá, Zeus, Atena, Apolo, Afrodite e outros usavam as forças da
natureza para promover intrigas e aterrorizar a humanidade.
As
fábulas por sua vez, são histórias curtas onde os animais ostentam
características humanas. De acordo com Nelly Novaes Coelho (1997), as fábulas
são contos tidos como admonitórios, que narram situações vividas por animais,
seres inanimados e trans-reais, com o objetivo de transmitir preceitos da
moralidade. Seus personagens representam as relações entre os indivíduos e suas
atitudes em situações da vida real.
Esopo
é uma figura lendária. Segundo consta, foi um escravo contador de histórias,
possivelmente corcunda e disfluente (gago), que ficou conhecido pela autoria de
fábulas muito populares até os dias atuais. Entre suas fábulas mais famosas,
estão A Cigarra e as Formigas, A Lebre e
a Tartaruga, O Leão e o Ratinho e A Raposa e as Uvas. Para conhecer sua
obra, leia As Fábulas de Esopo
(2011).
Fonte: http://www.pt.wikipedia.org
Com
a decadência do poder dos gregos, o Império Romano tornou-se muito forte,
conquistou muitas terras e dominou a Europa. A força romana se estendeu por
quase todo o continente e alcançou outras regiões em torno do Mar Mediterrâneo,
devastando sociedades e impondo-se como única possibilidade cultural, conforme
comentado em nosso primeiro “encontro”.
Segundo
os autores consultados, não havia no vocabulário romano uma palavra específica
para designar a família, visto que esta podia ser nuclear (pai, mãe e filhos),
ampliada (acrescida de familiares de outras gerações como tios e avós) ou
múltipla (quando um contrato reunia sob o mesmo teto diferentes famílias).
Como
os divórcios frequentes, as crianças eram entregues sob a responsabilidade do
pai que muitas vezes delegava sua educação a amas e escravos. Como eram comuns
relações de concubinato, as crianças nascidas dessas uniões eram consideradas
bastardas e embora vivessem na casa do pai, não tinham direito à ascensão
social.
Com
o Império Romano, o Cristianismo se expandiu e passou a dominar a Europa. Veio
a era das Cruzadas e de outros tipos de perseguição que fizeram da Idade Média
o tempo do obscurantismo. Privado de educação formal, o povo empobreceu e se
refugiou na cultura popular.
Desta
maneira, as narrativas se tornaram muito comuns e inverteram o caminho, indo
das cozinhas e salas de fiar para os salões dos palácios. Sem acesso à escrita
e oprimidos pelo poder da igreja, que perseguia, julgava e condenava todas as
manifestação que não compreendia ou não concordava, a oralidade possibilitou a
transmissão de conhecimentos e tradições, tornando-se uma preciosa forma de
preservação da memória coletiva e de lazer.
Naquele
tempo, tanto as crianças nobres quanto as plebeias, eram tratadas como se
fossem miniaturas de adultos. Não havia nenhuma atenção ou cuidado especial e
com frequência os bebês eram separados de seus pais para não atrapalhar suas
atividades sociais e recreativas. Possivelmente devido a esse descaso, ao
atraso da medicina e às precárias condições de higiene, a mortalidade infantil
era altíssima.
Foram
essas condições extremas que impulsionaram as tradições de narrativas orais e
em especial os Contos de Fadas. Nem as tentativas de moralização e adequação
das narrativas à moral cristã diminuiu seu valor como elemento catártico e como
produção cultural. Ao contrário, trabalhos como os realizados pelos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm ajudaram
a difundir a cultura daquela época entre crianças de todas as idades e de todos
os tempos. A publicação ‘Histórias das
Crianças e do Lar’ é considerada o primeiro livro direcionado ao público
infantil e foi através dela os contos populares tornaram-se menos divergentes
dos princípios pregados pelo cristianismo e passaram a ser vistos como
literatura infantil.
De acordo
com Phillipe Ariès, o francês autor de História
Social da Infância e da Família, no
final do século XIV a infância passou a ser diferenciada da idade adulta e a
receber cuidados específicos. Só a partir daí, a educação infantil tornou-se
mais valorizada e estimulada, fazendo com que o costume de contar histórias
passasse a ser uma prática de estimulação ao desenvolvimento da criança.
Em
tempos mais recentes, a infância vem ocupando um espaço cada vez maior na
sociedade. Na área da saúde, foram desenvolvidas vacinas, medicamentos e
procedimentos para prevenir doenças e preservar a vida das crianças. A educação
tem se baseado em estudos científicos e busca orientar o desenvolvimento máximo
das habilidades naturais das crianças e a construção de novas competências. Até a indústria tem se ocupado cada vez mais
com a criação de brinquedos e produtos diversos, voltados para este público.
Atualmente
a infância tem até uma data comemorativa. Segundo informações colhidas, no dia 12 de outubro passou-se a comemorar o Dia da Criança no
Brasil, a
partir de um decreto assinado pelo presidente
Arthur Bernardes em novembro de 1924. Por outro lado, a Declaração
Universal dos Direitos das Crianças só foi aprovada pela UNICEF em novembro de
1959. De certa forma, essas iniciativas refletem a valorização da infância na
contemporaneidade e contribuem para que os contos ganhem novas atualizações e
permaneçam como importante recurso mediador do desenvolvimento infantil.
Assim,
as histórias que antes eram contadas pelos familiares mais velhos, hoje são
oferecidas também em livros, filmes, apresentações de teatro, programas de TV e
jogos virtuais. Os personagens tradicionais saíram do imaginário, tomaram forma
e estão estampados em uma infinidade de produtos. A cada momento surgem novas
edições dos antigos contos e histórias que invertem posições clássicas dos
personagens e exercitam a criatividade e a criticidade. Isso aquece a economia,
movimentando a produção e o consumo de produtos em forma de filmes, brinquedos,
roupas e até parques de diversões.
Fontes: http://wwwcinemaslumiere.com.br, http://wwwlojazeroadez.com.br e
http://wwwtoymagazine.com.br
E o mais incrível é pensar que tudo
isso acontece porque, como diz Joana Cavalcanti (2002), “desde sempre o homem
narrou” e a força das narrativas permeia as relações socioculturais,
renovando-as a cada dia.
Ao redor de fogueiras primitivas, nos
desertos do oriente, em vilarejos medievais ou em salas de cinema, com ou sem a
figura das fadas, a tradição oral nos lembra de que contar e escutar histórias
são habilidades humanas e que em qualquer fase da vida, os contos ensinam que é
preciso lutar para vencer as adversidades e conquistar dias mais felizes.
Como isso acontece? Como essas
histórias participam do desenvolvimento da das crianças? É sobre isso que vamos
conversar na próxima semana!
Até lá, pessoal!
Cristiane Takemoto
Fonoaudióloga, Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional, com formação em
Psicanálise Clínica e Mestrado em Linguística.
REFERÊNCIAS:
ANNAUD, Jean-Jacques. La Guerre du Feu (A Guerra do Fogo). Canadá, 1981.
ARIÈS, Phillipe. História Social da Criança e
da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1978.
ARRUDA, José Jobson (História Geral) e AQUINO, Rubem
(História e Sociedade), disponível em http://www.culturabrasil.org/revolucaoneolitica.htm acesso em 07/06/12, 10:35hs
COELHO, Nelly N. Literatura
infantil – Teoria, análise, didática.
São Paulo: Editora Ática: 1997
ESOPO. As fábulas de Esopo. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 2011.
JACQ,
Christian.
Ramsés – O filho da luz. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2004.
MACHADO, Ana
Maria. Histórias Greco-Romanas. São Paulo: Editora FTD: 2011.
REGO, Tereza Cristina. Vygotsky: uma perspectiva
Histórico-Cultural da Educação. Rio de Janeiro, Vozes: 1999.
VYGOTSKY, Lev
Semenovitch. Pensamento e linguagem. São Paulo:
Martins
Fontes, 1999.
__________ . A Formação social da mente. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
É impressionante o quanto podemos aprender com os contos, o quanto as crianças se revelam em suas narrativas...ansiosa pelo próximo post.
ResponderExcluirParabéns, Cristiane :)
Obrigada amiga querida!
ResponderExcluirVocê tem razão!
Os Contos de Fadas são narrativas muito ricas e nos remetem a uma grande diversidade de conteúdos e informações.
Bjs,
*_*